19/09/07

O Leopardo, Luchino Visconti

"Então, quando estiver a morrer o quadro vai ser este? Nunca imaginaria." Estas palavras proferidas pelo personagem central do filme acabaram por me deixar uma marca, enquanto este, contemplativo, olhava para o quadro ao alto meditando sobre a morte.
O Leopardo [Il Gattopardo] passou no Gallery numa destas sextas-feira à hora do meu jantar. Baseado no romance de Giuseppe Tomasi de Lampedusa, incluído na antiga colecção da Visão, a sua adaptação ao cine sempre me intrigou devido às inúmeras e elogiosas referências feitas aqui e acolá.
O enredo move-se em torno de 4 personagens: o Príncipe Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster), Tancredi Falconeri (Alain delon), seu sobrinho, Angélica Sedara (Cláudia Cardinale) e Don Cagolero Sedara (Paollo Stopa), pai desta. O personagem principal, Don Fabrizio, é interpretado por um nova-iorquino - Burt Lancaster -, proveniente da mesma cepa de Kirk Douglas. Ora, para um actor com origem na escola americana, seria, à partida, difícil de encarnar um príncipe siciliano.
Porém, depois de perceber o intuito do realizador com este filme, digo que Lancaster foi magistral.
Nas cerca de 2 horas e meia de retrato da conturbada época da unificação italiana, Visconti escolhe o cenário da Sicília, sintetizando nesse local a grande transformação social que o século XIX trouxe à Itália e à Europa e que implicou uma aproximação entre as classes sociais seculares. Por um lado a nobreza aristocrática detentora de um patamar elevado onde subjaz o poder e a tradição, por outro a Burguesia emergente e endinheirada, ávida pela ascensão. Digamos, que no Príncipe de Salina está concentrada a linhagem nobre decadente do final do século, e a Burguesia ambiciosa é representada por Don Cagolero.

O Príncipe, homem sábio, pressente os ventos de mudança que passam e marcam com melancolia um semblante já de si altivo e solene. Lancaster soube construir de forma exímia o Príncipe siciliano. Ao Óscar que o filme arrecadou deveria juntar-se o de melhor actor principal.
O golpe final dessa aproximação entre classes, sobressai simbolicamente no episódio do baile final, onde o Príncipe abre a noite ao dançar com Angélica, noiva de seu sobrinho. Salina rende-se à inevitabilidade. Aqui distinguem-se duas cedências, a primeira à importância galopante do poder burguês, e a segunda à beleza ímpar com quem Falconeri desposará - Cláudia Cardinale. Interessantes estas duas perspectivas, que conduzem a uma reflexão. A nobreza de porte fino e fleumático de mão dada à classe média sedutora e bela, sem no entanto conseguir esconder o deslumbre. Fabrizio Salina aceita o desposo do sobrinho, e assim corrompe e é corrompido, é útil e agradável*.
Paralelamente, tentei captar algo que me levasse a entender os porquês da origem da "cosa nostra" siciliana. À partida não tive grande sucesso, pois as atitudes expressas na recusa do Príncipe em ingressar no novo governo nascido do movimento militar levada a cabo por Vittorio Emanuele II, significam o desencanto do Leopardo perante o rumo que o seu mundo levava. Do velho para o novo mundo. Mas não estará aqui algum sinal sobre o futuro, neste virar de costas da aristocracia siciliana, numa ilha árida e pobre, isolada do resto da península agora em reestruturação?
O baile termina e o filme também. Alguma coisa mudou para tudo ficar na mesma (diz a frase inicial do livro)*.
Dois conselhos: a leitura do livro e o visionamento do filme.

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