20/08/07

O Pintor de Batalhas

Apesar de não ser leitor de Perez-Reverte, tenho a noção que o tema deste livro não é a sua especialidade. O romance histórico, as aventuras do capitão Alatriste, por exemplo, envolto em cenários líricos, são a produção literária a que habituou o seu extenso público e que agora estranhou esta incursão mais melancólica.
Sabia disso quando peguei n´O Pintor de Batalhas pela primeira vez, todavia, da leitura das páginas iniciais, percebi que o estilo utilizado era escorreito e enxuto, sem delongas desnecessárias. Foi quanto bastou para me agradar.

Dois homens – um ex-fotógrafo de guerra espanhol e um ex-soldado Bósnio -, uma mulher jornalista, uma torre numa enseada mediterrânica com um mural circular onde o primeiro sintetiza em acrílico, o seu ideal sobre o que são as batalhas, são os elementos onde se agarra esta história.
O livro começa muito bem. Desde logo ficam evidentes os dotes do autor que afamaram as novelas de Alariste e que o levam agora à tela. O andamento é sensível e meticuloso, contudo eficaz para quem gosta de um ritmo bem balanceado. Recorrendo a flasback´s e recordações, é reconstruída a vida do repórter e as suas vivências até um final com pouco sal, mas não por ele menos interessante.
Nota-se, sem margens para dúvidas, um exercício intelectual introespectivo que o escritor se propôs converter em frases após uma carreira de 21 anos como repórter, colocando o leitor perante as perspectivas dos vários personagens sobre as “suas” guerras (as bélicas e as íntimas…), como as viveram e como as ultrapassaram. Dos três pontos de vista : a experiência do repórter, a inteligência de uma bela mulher que arrisca outra vida, e ainda, a astúcia de um sobrevivente Bósnio, foi o do ex-combatente que mais me impressionou pela sua lucidez e frieza, num raciocínio simples mas valoroso…
Voltando ao final, numa segunda análise, revelou-se dos mais inverosímeis entre as opções que tinha, o que me levou a sair da leitura com uma exclamação.

Mesmo com referências a algumas guerras e batalhas históricas, também elas cristalizadas em telas, a minha visão acerca dos conflitos bélicos pouco foi alterada, em particular o que assolou na década de 90 a ex-Jugoslávia. Pela boca do soldado Bósnio, conheci mais alguns sórdidos e violentos relatos, passados entre vizinhos ou irmãos. Acrescentou pouco, portanto. Confirmei uma vez mais, que as religiões e as etnias são das principais causas subjacentes à origem dos conflitos, e a superlativa Europa não está isenta.
Em paralelo a esta realidade, a ficção vai relatando o casal de fotógrafos de máquina na mão, prontos a recolher pelo obturador a crueza da dor e da morte. À noite alheavam-se sobre uma varanda, talvez resignados, olhando as colunas de fumo que de dia fotografaram. Depois, voltavam ao conforto do país natal, para nos laboratórios a prata começar a dar vida aos metros de película. Daí, tudo poderia sair mais ou menos trabalhado. Foi então que despertei através de densos diálogos, para a dualidade verdadeiro/falso associada às fotos de capa dos jornais, sobretudo as das manchetes que todos os dias consumimos. Nesse contexto, quando dei conta, fui levado a comparar e inevitavelmente a pensar, sobre qual a melhor representação da guerra: a fotografia ou o mural que anos depois o ex-repórter pintava nas paredes da antiga torre de vigia mediterrânica, numa solidão desconcertante, e sem lhe passar pela cabeça que uma fotografia premiada, involuntariamente, condenaria terceiros… (outro aspecto que me surpreendeu e que o que deu origem a toda a trama).

Porém, o foco principal apontou-me para uma reflexão sobre o que sobra, o que resta do ser humano depois de uma guerra. Qual a parte que melhor se consegue preservar passados os dramas? O ex-repórter manteve a sua estrutura humana sólida ou transformou-se num amontoado de escombros? Serviu o processo de pintura no mural, como aglutinante moral passadas as amarguras de uma vida? [classif:16/20]

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá!

Gostava de dizer que esta análise do livro está muito interessante. Também o li e revejo-me bastante.