03/09/07

O Velho e o Mar

O Velho e o Mar é um daqueles clássicos para todas as idades. É intemporal, imparcial e sem ornatos, contudo, carregado de significação, sendo talvez por isso sobejamente conhecido no meio estudantil juvenil, cuja leitura é recomendada.
A versão que li é a portuguesa dos Livros do Brasil, traduzida por Jorge de Sena.
A história é simples, tal como a escrita de Hemingway. Lida a sinopse em conjunto com o título, tão reveladores que são, contextualiza-se facilmente a história sem no entanto se adivinhar a beleza deste pequeno livro, que num soslaio sobranceiro, às vezes mal se ajuíza.

Santiago é um velho pescador de uma ilha caribenha, que por não ter outro sustento ainda se lançava ao mar no seu velho esquife de velas remendadas. Há 84 dias que as suas mal-olhadas redes não apanhavam peixe.
O seu único amigo, o miúdo Manolin, desde pequenino o acompanhava na pesca. Por decreto de seus pais, fora obrigado a abandonar Santiago procurando a fortuna noutra embarcação. Mas aos olhos do petiz, a nova "escola" era desprovida da experiência e da sabedoria do velho pescador, com quem ainda mantinha as calorosas conversas dos velhos compinchas.
Certo dia, como de costume, ainda com a lua no céu, o velho meteu-se ao largo em mais uma jornada, só que esta ia ser diferente. Da conversa com Manolin na última noite, algo fatal mexera no espírito do pescador. Recordaram a primeira vez que o miúdo foi à faina, depois jantaram na choupana de Santiago e o pequeno demonstrou admiração e gratidão ao velho amigo, o melhor pescador que conhecera. Nessa noite, o velho deitou-se jubilando a graça do seu comparsa, e por momentos esqueceu a miserável e solitária vida que levava. Depois, sonhou com os seus tempos de jovem marujo, quando nas costas africanas de areia branca, via leões brincando…, a alegria do miúdo galvanizava-o, e os sonhos esboçavam na sua mente a longínqua mocidade.
Já em alto mar, sozinho no velho casco, apenas com o oceano e o céu no limite, monologando consigo e com os bichos que o visitavam, sabia que teria de provar novamente ao rapaz, e a si próprio, que era capaz de conseguir “o peixe”, aquele peixe graúdo que todos os pescadores querem como perpétua demonstração da sua força e coragem.
No princípio a convicção era pouca, mas foi crescendo com o dia, elevando-se à medida que o sol surgia no céu azul, até que ao fim da manhã, repentinament, a linha esticou na cana...

Esta leitura fez-me despontar muitos sentimentos, alguns afloraram seguidos de outros curiosamente opostos. Alguns deles, possivelmente iguais aos do velho, o que me permitiu medir os seus desejos e as suas frustrações.
No seu monólogo, o velho, acostumado a ter o moço ao lado, ou por tique, sacudia a solidão e falava consigo com profunda sabedoria, mas sempre com um sentido de gratidão ao mar e aos seres que dele dependiam «...as aves têm uma vida mais dura que a nossa...», logo a seguir servia-se destas localizando o pescado e dominado pela ânsia desejava que o anzol se espetasse no coração do peixe.
Consciente do seu papel nesta cadeia, Santiago olhava o mar com respeito e carinho, “La Mar” como lhe chamava, é assumido como se feminino fosse, que entrega os seus frutos a quem o procura.
A narrativa é muito bem construída, vai-nos cativando à medida que vai desvendando a luta do pescador igual à de tantos outros, pescadores ou não. No fundo qualquer um de nós que ande à face desta terra na labuta diária, vê reflectida nesta história a sua vida, e tratando-se de um velho lobo do mar outra dimensão assume essa luta ou esse sonho, porque a sua concretização é o fechar com chave de ouro de uma fase, uma vida, uma existência…
Em paralelo a essa luta individual, não se devendo secundar mas talvez dar primordial importância, trava-se uma outra, eterna e mais abrangente que confronta permanentemente o homem e a natureza numa relação de coexistência, onde ambas as partes cedem quando têm de ceder.
Independentemente da racionalidade do animal homem e da sua supremacia sobre os outros seres, às vezes este cede primeiro, e no final vamos encontrá-lo a sonhar com os leões a brincar na praia...
Classif.:[19/20]

1 comentário:

António P. disse...

Caro V.F.,
Um dos "meus" livros e habitual prenda de Natal a jovens.
E aproveito para agradeçer a sua chamada de atenção "à engenheiro" no meu blog que quase me ia tirando o sono.
Pensei que quando para lá fosse viver ainda me cai o tecto em cima. Depois tarnqulizei-me. O arquiteco é bom e o engenheiro também
Cumprimentos e visite-me sempre