22/06/07

Voo Nocturno - Vol de Nuit

Voo Nocturno pode ser o novo álbum de Jorge Palma, como pode ser o título de um dos livros menos conhecidos que Antoine Saint-Exupéy publicou, em 1931.
Para mim, Voo Nocturno é esse título. Primeiro porque o livro é primordial, ao transmitir-nos a ideia e o sentimento da liberdade de um solitário piloto de avião, que nele tão bem perpassam. Segundo porque o álbum de Palma foi aí beber a inspiração, seguindo-lhe as pegadas, ou melhor, os golpes de asa.
Daniel Lavoie, um cantor francês, também dedicou uma canção ao “Vol de Nuit”.
Jorge Palma canta: "...neste voo nocturno sou mais leve do que o ar..."

Daniel Lavoie cantava: “J'ai bien envie de monter ; Dans ton appareil bizarre ; J'ai bien envie de voler ; Comme si j'étais le fils d'Icare…”
De Saint-Exupéry, conhecia apenas o “Principezinho”, a sua obra-prima. O estilo não é diferente, contudo este romance do voo nocturno, foge da pueril fantasia de um mundo imaginário.
Voo na Noite, da edição da Europa-América (ou Voo Nocturno da Difel) relata-nos uma ficção sobre os pioneiros do transporte postal na América do Sul. A ficção parte de várias realidades que o escritor conheceu, e é escrita com a arte de bem escrever, talentosa, realista e apaixonante. Tão apaixonante que só poderia ser urdida por alguém que devotava um grande amor pelas duas coisas: a escrita e a aviação.
Não querendo arvorar-me em especialista, afirmo que Saint-Exupéry possuía essas duas paixões e esses dois talentos. Não sei qual é que nasceu primeiro, nem qual deu origem a qual, no entanto arrisco-me pela aviação militar.
Como piloto, Exupéry começou nos correios aéreos do seu país - a França. Depois o mesmo ofício levou-o às colónias do noroeste africano – Dakar e Casablanca -, onde descobre a longitude e o silêncio do deserto, como se fosse uma “miragem surpreendente”. Estas citações justificam o móbil deste romance, em conjunto com a experiência da América do Sul quando fazia a linha da Patagónia - Punta Arenas. Quem porventura, leu o chileno Luís Sepúlveda, já sentiu o travo destas paisagens.
Quanto ao livro em si, é pequeno na dimensão, mas enorme no alcance humano e literário. Será com certeza bastante procurado pelos amantes da aviação, aliás, a sua obra está recheada de preciosidades que devem constituir notáveis páginas da história da aviação postal e militar.
O enredo tem como propósito, homenagear o correio postal do sul da América do Sul, e em particular um piloto seu amigo, que aí pereceu.
As principais 3 linhas postais sul americanas, que provinham do norte (Paraguai), do Oeste (Chile) e do Sul (Patagónia), convergiam para Buenos-Aires onde o correio era entregue a um avião que as encaminhava para a Europa. Tudo teria que funcionar como um relógio. Os horários de chegada e de partida deveriam ser rigorosos para que a empresa prestadora tivesse correio fresco ao outro dia, na Europa.
O percurso destas linhas é-nos descrito sob a sombra solitária e individual do piloto, que não é senão a projecção do próprio mundo do aviador-escritor quando estava aos comandos, - obviamente que a linha escolhida foi a da Patagónia da qual Exupéry possuía um conhecimento quase enciclopédico. Assim, durante as viagens
, entramos na intimidade introspectiva da cabine do piloto, a sós, sob a fuselagem vibrante, a milhares de pés de altitude, a caminho dos picos dos Andes com a capital argentina no pensamento.
Contudo, apesar da cidade-destino estar na mente em todos os minutos da viagem, ao sobrevoar os vales profundos e extensos, o piloto abstraía-se do objectivo construindo na sua mente as vidas possíveis nos pequenos pontos de luz que via fumegantes, ao longe, imaginando aí pequenos lares com uma família à mesa ou à lareira, casas como pequenos reinos de felicidade, abraçados por uma paisagem montanhosa, tão bela quanto cruel.
A intensidade e a força da descrição esboçam, para quem desconhece aquelas pequenas barcaças do ar, um mar de sensações contraditórias cuja amplitude toca os dois extremos, colocando de um lado o homem na frágil máquina e do outro a natureza imprevisível e majestosa da cordilheira andina, permitindo ao leitor uma aproximação fiel ao drama de muitas daquelas travessias, as quais nem a maior coragem e perícia por vezes conseguiam ultrapassar.
Tal como Malraux, Hemingway ou Orwell, outros três vultos da literatura, o bravo françês ainda passou pela guerra civil de Espanha. Anos mais tarde, desapareceu entre a Córsega e a França, onde e como só poderia acontecer : na cabine de um pequeno avião militar, num voo-secreto ao serviço dos aliados.

8 comentários:

Anónimo disse...

boa proposta de leitura.

Cazento disse...

Viva, Víctor!

Excelente opinião sobre um livro que não conheço. Conheço o autor e o seu incontornável principezinho.

Uma boa parte dos pioneiros da aviação ou destes pioneiros da exploração das potencialidades da aviação, perderam a vida a fazer o que gostavam. È curioso porque agora mesmo eu estava a ler sobre um desastre de avião que, no caso, vitimou uma banda de Rock.

Já vi filmes e li sobre os pioneiros do correio aéreo e é de facto um mundo fantástico.

Excelente sugestão de leitura.

Abraço,
João

Victor Figueiredo disse...

Parece que sim, af. Ou melhor, estou convicto disso.

Victor Figueiredo disse...

"...incontornável principezinho."
É uma grande verdade, João.
Está no caminho de todos, quer se goste ou não, de literatura.

Já li este livro há algum tempo, e agora na sequ~encia do Fly Boys, a opinião cairia que nem "gingas".

Achei o livro muito interessante, porque aborda o aspecto humano do piloto ao sobrevoar aqueles céus nunca antes percorridos, onde pouco-a-pouco, nos vamos apercebendo do drama que uma viagem daquela natureza compreende, e a reacção do homem perante tanta adversidade. Do homem que está aos comandos do avião, como do que está à espera no destino, em permanente comunicação com este.

Vale a pena ler.

Um abraço,

Victor

Anónimo disse...

Bela escolha! Todos os seus livros seriam uma grande escolha, aliás... Voar... Aviões... e grandes lições de vida! excelente!

Ele desapareceu num Lockheed Lightning P-38 ( um excelente war bird da II GG ). O avião foi encontrado 60 anos depois- tenho uma revista inglesa com um artigo e fotos. Mas há um certo mistério no ar sobre a sua morte... Como deve sempre haver, não é?

Abraço!

Victor Figueiredo disse...

Já reparei que é uma paixão!
Foi no teu blogue que via a recomendação dos Fly Boys, que vi no outro dia, e que gostei.

Um "Lockheed Lightning P-38": não conhecia, mas pelas fotos que vi, o design é inesquecível. Bela máquina. Extraordinário escritor.

Abraço.

Anónimo disse...

D.N. a 08/04/2006
'Principezinho', 60 anos a cativar novos leitores

"Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos." Poucos livros, na história da literatura universal, terão, como O Principezinho, acompanhado tantas gerações de leitores sem que o deslumbramento inicial jamais se quebrasse. Hino ao amor, à amizade e ao seu mistério, "a que devemos obedecer", como nos ensinou o seu autor, Antoine de Saint-Exupéry, é esse mesmo livro que vê chegado o 60.º aniversário da sua primeira edição em França. Inicialmente nas páginas da revista Elle, depois já como livro sob chancela das edições Gallimard. A sua primeiríssima edição dera-se, recorde-se, nos Estados Unidos, em 1943, três anos antes da efeméride que agora se assinala.

De conto para a infância a fábula para adultos, em particular para todos aqueles que não perderam contacto com a criança que foram, a obra maior de Saint-Exupéry (1900-1944) quase eclipsou, talvez injustamente, outros títulos da sua produção literária. Há sempre alguma frieza nos números, mas, neste caso, e pelo seu peso, eles são esclarecedores do fascínio que O Principezinho tem exercido, de forma continuada, um pouco por todo o mundo: mais de 80 milhões de exemplares vendidos ao longo deste percurso de 60 anos, com tradução em 160 línguas e dialectos, fazendo deste o terceiro livro mais traduzido depois da Bíblia e d'O Capital, de Karl Marx.

Fascínio que igualmente tem tocado os leitores portugueses: em Dezembro do ano passado, O Principezinho alcançou a fasquia da 25.ª edição no nosso país. Desde Novembro de 2001 sob chancela da Editorial Presença, o livro de Saint-Exupéry conheceu, desde então, seis edições, cada uma delas de 20 mil exemplares, como lembrou ao DN Francisco Espadinha, director de marketing daquela editora.

"Procurado por todos os públicos, de todas as idades", referiu, o livro "vende ao longo de todo o ano, atingindo, no entanto, o seu maior pico no Natal. Em quatro anos e meio vendemos cerca de 110 mil exemplares, o que justifica plenamente o seu estatuto de longseller". Associando-se às celebrações deste 60.º aniversário, a Presença "tem previstas algumas supresas" para as feiras do Livro de Lisboa e do Porto.

Qual o segredo deste pequeno- -grande livro? Para Francisco Espadinha, "O Principezinho é e será sempre um livro de alcance intemporal. A sua abordagem simples, mas plena de sentimentos, inspira homens, mulheres e crianças de todas as culturas". Nessa medida, sublinhou, é também " um orgulho para nós sermos editores de uma obra que nos fala de uma forma poética e filosófica sobre os valores da vida. É muito gratificante saber que esta mensagem passa por tanta gente, ano após ano, e que, mesmo ao fim de 60 anos, o seu conteúdo permanece tão actual como no início".

Um mundo inesgotável

Cidadão do mundo, O Principezinho tem, ao longo destas seis décadas de vida, ganho asas para outras dimensões, incluindo o Desconhecido. Certamente não por acaso, seguiu célere para o Espaço, de onde viera, vendo o nome do seu criador baptizar um asteróide na cintura entre Marte e Saturno, num tributo feito, em 1975, pelo Observatório de Astrofísica da Crimeia. Tal como, em 2002, viajou em livro no Endeavour com o astronauta francês Philippe Perrin.

E, do audiovisual à música e ao teatro, passando por edições especiais subsidiárias da obra, O Principezinho tornou-se, ele próprio, um mundo. Também no campo do merchandising, prenda-se ele com peças de vestuário, perfumaria ou materiais de papelaria destinados a um público infanto-juvenil.

Com o advento da Internet, assistir-se-ia, por outro lado, a uma explosão de sites dedicados ao autor e/ou ao seu mais célebre livro. Pondo em rede o mundo inteiro, do mais frenético coleccionador de citações - de que O Principezinho é, uma vez mais, fonte inesgotável - ao mais incansável coleccionador de traduções. Também aí criando e fortalecendo laços, como Saint- -Exupéry, afinal, tanto desejou.

Nanda disse...

Só conheço "O Principezinho" de Saint- Exupéry.
Só hoje ao ler sobre este autor tive conhecimento da sua obra "Voo Nocturno" e com certeza que vou lê-la.
Acompanho Jorge Palma desde há muito e quero descobrir nessa obra, se foi aí a sua inspiração para o titulo do seu novo album.
Obrigado pelo texto aqui escrito, gostei e hei-de voltar!