19/06/07

O Papalagui

Para começar convém descodificar “Papalagui” : o termo é samoano e é a designação dada ao homem branco, ao estrangeiro.
O título, essa estranha palavra, já se percebeu. O autor – Tuiavii de Tiávea -, era natural de Samoa e sob o seu nome foi editado este famoso livro, sem este nunca o ter sabido.
Passo a explicar: o conteúdo é um conjunto de textos reunidos e publicados pelo alemão Erich Sheurmann, retirados de vários discursos e conversas tidas entres ambos. Tuiavii, não quereria, com certeza, que os mesmos fossem transcritos para o papel do homem branco. Contudo, o alemão considerou que seria importante ao seus contemporâneos, conhecerem a lucidez das opiniões deste samoano, para que ao lê-las soubessem como eram vistos aos olhos de quem vive nas antípodas, despojado de tudo o que a modernidade proporciona, da forma mais natural possível – como diz a sinopse da edição portuguesa: “o bom selvagem de Rosseau” das ilhas dos mares do sul.
Tuiavii de Tiávea, chefe de uma tribo PolinésiaPacífico Sul -, diz-nos o que pensa dos seres supostamente modernos que conheceu quando viajou para a europa do séc. XVII, lançando um olhar sábio e cuidadoso, que coloca os europeus de então, como os de agora, ao fim ao cabo, na condição de seres em absoluta dependência do tempo, e de todos os preceitos das sociedades desenvolvidas.
Para Tuiavii, o homem deveria seguir regras simples e fáceis. O tempo deveria andar atrás dele, e não o contrário, conforme refere : ”O Papalagui não se apercebeu ainda do que o tempo é, não o compreendeu. É por isso que o maltrata, com os seus modos rudes.”
A veracidade, a sabedoria e a clareza do discurso deste indígena, é extraordinária, sobretudo para quem associa aos nativos – e isso acontece quase sempre -, a crónica imagem do ser humano natural das ilhas incivilizadas, rude e sem a educação que o colonizador possui. Mas, é neste aspecto que o livro é mais surpreendente, porque aquele do qual menos se esperava, aquele que aparentemente teria os horizontes mais fechados, produz uma linha de pensamento notável pela sua lucidez e simplicidade, acompanhada de uma evidente ingenuidade.
Pode portanto, dizer-se que o livro reúne textos a partir de base ingénua e crua. Sem dúvida. Mas é aí que está o encanto que se retira da leitura deste livro, e que avivou na memória de muitos europeus o ideal romântico da procura de uma existência feliz nas ilhas virgens.
Não vou todavia, com toda a faclidade e demagogia que me é possível, dizer quanto errado nós estamos ou quão diabólica e cega é a vida moderna que levamos. Não. Não é difícil entender isso e nem quero ir por aí. É difícil sim, pararmos e lembrarmo-nos da realidade em que vivemos, que foi espantosamente colocada a nu no séc. XVII, pela perspectiva de um homem que sempre viveu nas selvas.

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