10/09/07

O Velho que Lia Romances de Amor, Luís Sepúlveda

Quem conhecer o escritor chileno Luís Sepúlveda, sabe da sua paixão pela natureza materializada na defesa da ecologia e da preservação do que a mãe-natureza nos oferece. Essa paixão é o mote para a abertura deste livro em homenagem ao brasileiro Chico Mendes - activista ambiental, para logo a seguir dar início a uma extraordinária novela que nos irá embrenhar no pulmão mais inestimável do nosso planeta - A Amazónia.
Sempre que se fala da Amazónia tenho tendencialmente associado o curso do grande rio Amazonas em território Brasileiro, todavia, o rio ou os rios que tantos se contam e se juntam nesse infindável caudal, têm a montante outros países como a Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Perú e Venezuela, tornando esta majestosa bacia hidrográfica supra-nacional, quicá universal.

É devido a estas valências e ao seu incontornável papel educacional e ambiental, tal como nos exemplares filmes “O dia depois de Amanhã” e "Uma verdade Inconveniente", que a estas obras, meritórias por desviar a nossa atenção para o ambiente nem que seja por minutos, atribuo inquestionavelmente 4 ou 5 estrelas. Refiro também, que me parece triste classificar de excelentes estes alertas acerca do nosso dever como cidadãos do mundo…

Quanto ao romance em si, é na sua essência uma alegoria à mão humana trazida por colonos a estes territórios, vencida pela natureza que quase instantaneamente se repõe, zombando dos voluntariosos exploradores que assim encontravam na aurora seguinte vestígios dos sulcos abertos na terra amazónica. O conjunto desses territórios confinados por linhas de água no norte do mapa da América do Sul, é um gigante verde cuja importância não se adivinha no mesmo papel. Esse verde encerra um manto vegetal quase impenetrável, que desperta paixões e ódios aos que não o conhecem mas que dele têm fome, como foi o caso do protagonista do romance – o velho António José Bolívar Proaño. Colono inexperiente, assim se empreendera pela mão da campanha de colonização da Amazónia, atrás da promessa de hectares de terra, feita pelo governo Equatoriano em disputa de territórios ao Perú.

É por esta demanda que o ainda jovem José Bolívar é conduzido às portas da selva, com um Machete na mão e um fardo de sementes na outra, e sobretudo com um sonho no coração. Quando nas primeiras páginas deixamos San Luís com José Bolívar e a esposa ao lado, para passar por El Dorado e por Zamora, chegamos a El Idílio com as mesmas inquietações que os colonos, abstraídos de qualquer limite geográfico ou político previamente estabelecido.

E quando nos apercebemos, qualquer divisão administrativa de bandeira içada pura e simplesmente é derrubada pelas árvores, pelas chuvas e ventos, pelos enxames de mosquitos ou pelo caudal de água omnipresente nas ricas descrições, alimento da nossa mente e imaginação. Cada frase é um hectare de floresta que fertiliza o esplendoroso puzzle verde que espelha na água, com uma densidade tal que nos toca e nos envolve. Pode parecer absurdo à primeira vista, mas nunca num punhado de 110 páginas imaginaria aprender tanto sobre como conviver com a selva Amazónica e com os seus índios Xuar, tal como o pretendem os roteiros e guias de sobrevivência amazónicos. E é exactamente neste ponto que justifico o que considero como um dos melhores aspectos do romance. Aliado à sua poderosa capacidade narrativa com descrições deliciosas e detalhes de uma escrita ímpar e irónica, ao mesmo tempo, o escritor transmite-nos pela sua experiência um notável conhecimento sobre a Amazónia, validado pela pela sua inquestionável sapiência e utilidade.

Mas, actualmente, essa realidade teima em nos empurrar devagarinho, ao soar longínquo das lagartas de ferro que retalham a Amazónia do velho e dos índios, para o documentário a preto e branco que a nossa memória retém das imagens de TV. Será este o seu destino? Será que a voz e as acções como as de Chico Mendes morreram em vão? Porque é que é impossível conceber uma existência sem um pulmão?! Não se consegue, claro que não. Então convém parar, e ler o que o velho da choça, que mal conseguia ler romances de amor e que com eles entendia o mundo, nos tem para contar para depois reflectirmos seriamente.
No fundo esta história tem a força da própria natura e a bravura dos que a tentam compreender e amar, que inevitavelmente os enriquece com um saber tão profundo quanto o respeito que lhe devotam. Porque mais cedo ou mais tarde o respeito sobrepor-se-á a qualquer outro sentimento. A natureza não se deixa vencer, ou melhor, não tem vencer nem tem que perder, tem que existir. E é sempre a natureza que escreve as últimas palavras, assinando-as por baixo tal como fez ainda há uns tempos no Golfo do México...
Este livro, que vendeu mais de 5 milhões de exemplares em todo o mundo, foi adaptado à sétima arte. Cá em Portugal não consigo encontrar o filme. Se souberem como o encontrar, informem!
Extracto:
"António José Bolívar sabia ler, mas não escrever. (...) Lia lentamente, juntando as sílabas, murmurando-as a meia voz como se as saboreasse, e, quando tinha a palavra inteira dominada, repetia-a de uma só vez. Depois fazia o mesmo com a frase completa, e dessa maneira se apropriava dos sentimentos e ideias plasmadas nas páginas. Quando havia uma passagem que lhe agradava especialmente, repetia-a muitas vezes, todas as que achasse necessárias para descobrir como a linguagem humana também podia ser bela."

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