29/08/07

Dom Casmurro

Atrevo-me a dizer que Machado de Assis foi para o Brasil o que Eça foi para Portugal., pelo menos no que toca à crítica à igreja e ao seu poder durante o século dezanove. A escrita de ambos é magistral, as descrições e caracterizações idem, separa-os no entanto, o romantismo. Eça fez bom uso da facilidade em romantizar as suas obras, enquanto Machado de Assis já não o conseguiu. Possivelmente nem queria, o que é o mais provável depois de se ler este Dom Casmurro.
Como foram contemporâneos não evito compará-los. Assis escrevia cabisbaixo, pessimista e introvertido. Eça já não, era mais aberto, fazia uma prosa colorida, alegre e muito agradável. Aliás, a de Assis também é agradável só que um pouco contido e breve.
Entre os dois houve uma troca de galhardetes, e segundo me contou a amiga Gisete Aguiar de Olinda – Bahia, o brasileiro ainda disparou uns comentários acerca das parecenças entre O Crime do Padre Amaro de Eça e La Faute de l´Abbé Mouret de Émile Zola, insinuando ainda ao de leve, uma reincidência na imitação para o seu romance seguinte, O Primo Basílio.
Eça jamais lhe respondeu e ao que consta o caso ficou por ali, porque o escritor português gozava de uma apreciável reputação, quase total entre os escritores brasileiros, abolicionistas ou republicanos, e de todos os que voltavam de Portugal após cursarem em Coimbra e outras Universidades europeias. Em Recife existia uma associação dos admiradores de Eça, e muitas vezes, em praça pública eram recitados trechos das suas obras. Contam que quando alguém chegava de Portugal, costumava-se perguntar: Você viu o Eça? Era um grande privilégio dizer sim.
Nada disto desmerece uma leitura atenta a Machado, mesmo que eu começasse a ficar convencido de algum sentimento menos nobre do brasileiro, iria deparar-me com preciosidades destas: “Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinquenta e cinco anos. Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não aquele vagar arrastado que era dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um silogismo completo, a premissa antes da consequência, a consequência antes da conclusão. Um dever amaríssimo!

A história, saída ela também na colecção Livros de Bolso DN, conta o menino Bentinho que na idade de 15 anos, por vontade e promessa da mãe viúva, já antes da gestação, vinha pensando destinar um filho ao seminário. Bentinho sem disso se aperceber, teve desde a infância uma paixoneta por Capitu, sua velha amiga de olhos oblíquos, que entretanto foi crescendo e transformando-se num sentimento púbere mais forte. A separação não ia ser fácil. Bentinho não queria ser padre, não gostava nem um pouco da ideia. Capitu apoiava-o. O problema era persuadir a mãe em abandonar aquele projecto de educação para o filho, que não era mais do que um voto pessoal.

O escritor é exímio na análise e na caracterização dos personagens, disso são prova as soberbas descrições de José Dias, um empregado e amigo, do seu Tio Cosme ou da sua mãe Maria da Glória.
Já para o final, com Bentinho envelhecido e casmurro, debruça-se em reflexões existenciais, em dúvidas matrimoniais geradoras de ciúmes e suspeitas de adultério - sendo esse o tema principal -, transformando tais questões em interessantes debates iluminados pela luz que Assis imprime ao romance. A prosa consegue desta forma ser extremamente sedutora ao longo daqueles capítulos, ou curtos ou longos, sempre cheios de pormenores dos ambientes por onde a narrativa passa. Caraterísctica habitual nos realistas.
O final é para mim, um belo campo aberto a ideias e a conclusões. Podemos seguir o trilho que quisermos, fazer o juízo que bem entendermos. Recapitular e refazer os perfis de Bentinho e de Capitu, e assim justificar as nossas sentenças. Mas uma certeza fica, e assim permanece envolta na amargura de uma solidão a que o ciúme conduziu. Classif.:[18/20]

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