06/06/06

A caminho da Liberalização (II)

É assaz interessante a leitura que se faz deste quadro, publicado no blog Blasfémias, a 29/05/2006.
O objectivo que norteou a reunião de tanta informação é claro, e visa mostrar como a política do mesmo governo muda de rumo, de uma semana para a outra.

Nessa semana, como consta na segunda linha do quadro, os farmacêuticos, ou melhor, os licenciados em farmácia, perderam o direito de serem os únicos profissionais proprietários das farmácias, observando-se as regras da livre concorrência. Mas, por outro lado, mantêm, e muito bem, a exclusividade da direcção técnica desses estabelecimentos, que são os únicos locais onde se comercializam legalmente, medicamentos sujeitos a receita médica. Tecnicamente, a decisão da manutenção dos actos farmacêuticos junto dos licenciados em farmácia, é perfeitamente acertada, visto terem as habilitações adequadas para poder exercer aconselhamento técnico.
Quanto aos arquitectos, na semana anterior, pela lei votada na assembleia, ganharam a exclusividade da autoria dos projectos de arquitectura.
Penso que esta linha, a segunda do dito quadro, sintetiza o que se pretende expor. As restantes, revelam apenas um pretenso rechear do quadro que parte de uma boa ideia, mas que depois se espalha por falta de conhecimento de causa.
Reportando-me somente à parte dos arquitectos, visto que a dos farmacêuticos é sobejamente conhecida pela sua prolongada e repetida dissecação, é referido no quadro que estes não podem fazer projectos de engenharia. Noção vaga essa dos projectos de engenharia, tanto mais pelos inúmeros projectos e procedimentos de engenharia também assumidos por arquitectos.
A constatação da quarta linha é perigosa por dois motivos, primeiro porque parte de uma assunção da realização dos projectos por outros que não os arquitectos, bastando que estes os assinem para que saiam carimbados com o “selo” de garantia arquitectónica. Depois porque confronta na mesma linha uma ideia errada, ou seja, o farmacêutico poderá não estar permanentemente no estabelecimento, mas não deixa de ser o responsável técnico em todos os procedimentos. Assim, neste aspecto, as duas classes ficam em igualdade de circunstâncias, conforme na realidade acontece. Ambas são responsáveis pela qualidade dos serviços e dos bens que são produzidos nos respectivos estabelecimentos, sejam eles farmácias ou atelier´s.
Na quinta linha, o enfoque deveria ser dado, não ao número de estabelecimentos, mas sim ao número de serviços ou bens comercializados. Não faz sentido dizer que um arquitecto pode ser proprietário de um número ilimitado de gabinetes, senão vejamos Álvaro Siza Vieira; que eu saiba só tem um gabinete, e desde que este ostente o nome do famoso arquitecto é quanto baste para que os clientes a ele se dirijam. Se tivesse mais gabinetes, daí não adviria vantagem alguma.

A linha seguinte, atira-nos com uma prova do contrário que se pretende demonstrar com o quadro. No entanto, não será assim porque o director técnico de uma farmácia que venda um medicamento em não conformidade com as normas, tem que responder por isso. Quanto à parte da arquitectura não se compreende o que se quer dizer com “...sendo (desejavelmente) irrelevante a formação do seu autor.” Então ele tem que ser arquitecto, ou não? A lei nesse aspecto é clara.
Nas últimas linhas, por entre uma ironia que tem o seu quê de real, e para além dos projectos de arquitectura deverem ser analisados nas câmaras segundo os planos municipais e não por critérios estéticos, há uma clara omissão quanto ao funcionamento das equipas multi-disciplinares coordenadas por arquitectos. É óbvio que se um edifício deformar ou ruir, a responsabilização recairá sobre o engenheiro civil, contudo, a equipa e nomes integrantes, ficarão irremediavelmente colocados na lista negra dos projectistas a evitar, arquitecto e tudo.
Esta análise resumida no quadro não foi prudente, e induz em erro pelas noções difundidas, as competências e responsabilidades de ambas as classes. Além disso não foi atingido o objectivo de uma clara demonstração da contraditória política que o governo adoptou, nestas últimas semanas em profissões tão distintas, onde os factores subjectivos ficaram de fora pelo desconhecimento do assunto, tão complexo que é. Não se trata de apontar simplesmente que, num caso foram salvaguardadas as leis da concorrência, e no outro abriu-se mão dessas leis. Ambos os casos são complexos, talvez o dos arquitectos o seja mais, porém, esta reflexão que já foi iniciada no meu post “A caminho da liberalização (I)”, terá a sua conclusão no 3.º e último post sobre o assunto, e que envolverá duas classes que dispõem de ordens de utilidade publica: Arquitectos e Engenheiros, cujos serviços apresentados aos olhos da nova lei, deixam de ser concorrentes entre si, privando o consumidor de uma escolha mais alargada para o mesmo serviço.