03/07/09

De Erfoud a Marraquesh

Como agora virei as costas à actualidade e ao hábito de a comentar e porque também sinto que escrevinhadores como eu há muitos, deixo aqui, passado meio ano de inactividade, um pequeno apontamento relativo a uma das minhas paixões agora redescoberta - o Mototurismo.

Assim, da viagem a Marrocos feita em duas rodas em meados de Maio fica a pequena crónica ou crónica miniatura de uma das etapas mais emocionantes e estafantes, também.

Para um enquadramento diga-se que ia inserido num grupo de amigos designado de "Os Mustafás", cujo objectivo principal era o de alcançar as areias do Saara perto da cidade de Erfoud. O relato abaixo retrata parte da etapa seguinte à de Erfoud e que nos conduziu às Gargantas do Todra e depois a Marraquesh.
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Às 8 da manhã em cima das motos!”. Depois do elegante jantar de gala dos Mustafás, no final da última noite em Erfoud, só me tinha ficado aquela frase da Inês a ecoar na cabeça.



E assim foi, às 7h30 já tínhamos as malas prontas a ser colocadas na Honda Varadero, mas antes disso pousei-as no lobby do hotel onde na noite anterior ia caindo o Carmo e Trindade durante o check-out. O Visa não estava a ser aceite, porque simplesmente o chico-esperto do recepcionista tinha acabado de desligar a comunicação, simulando que a culpa era dos serviços centrais em Casablanca.

Esses momentos ocupavam o meu pensamento enquanto ajeitava as malas ao pé da recepção. Nisto o estômago dá um ronco. Não faço mais nada e saio para a sala de refeições.

Já lá estavam quase todos na azáfama matinal dos cumprimentos, dos alegres comentários por entre o cheiro do café, da escolha das mesas e dos crónicos empregados maldispostos.

Pousadas as chaves e os óculos na mesa grande onde a maioria do pessoal já se deliciava, fui à cata das panquecas marroquinas que tanto ansiava. Ao chegar deparo-me com o André a queixar-se do sacana daquele Zéééééé que não dava conta das panquecas pedidas ao tempo. “Só me apetece mandar-lhe um cachaço!”, dizia num misto de gozo e irritação. Se estava bem-disposto melhor fiquei quando lhe disse: “Então manda-lhe 2! Um é por mim!”. No meio do grande salão o André estava meio desbocado, mas coberto de razão. Quem paga tem de ser bem servido, tanto mais num 4 estrelas.

Recolhidas as tostas do costume, o café au lait, geleia e afins, sem qualquer sinal das panquecas, lá me sentei ao pé do Paulo Carvalho e do Nascimento. Reparei que estavam muito concentrados. É natural, pensei eu, quem mata-o-bicho assim fica.

De repente, aparece a Celina com um prato de panquecas e mais geleia! Agora é que tu estragas-te tudo, disse-lhe. Quero ver quem é que está em cima da moto às 8h. Souberam-me a rosas, só vos digo.
A preocupação da pontualidade impunha-se e levantei-me sem terminar. Ainda passei pelo quarto para a inspecção final. Segui depois para o lobby onde apanhei a bagagem. Antes de sair olhei de relance a recepção onde me pareceu ver o artista que nos aturou na noite anterior. Recordo-me que, logo após a discussão, quando chegou a minha vez de levantar a chave, este me ter dito que eu era muito simpático, ao que eu retorqui: Nem sempre, mon ami! Il n´est pas possible. C´est toujours la même chose. À Chefchaouen, Visa ? Non. À Fès, Visa ? Non. Et ici, Visa ? Non. Vous n´avez pas besoin de touristes? Aqui no meio do deserto? Au revoir. E virei-lhe as costas.


Vim a saber depois por aqueles que fizeram o check-out após o pequeno-almoço, que o Visa já funcionava graças à conversa que o Mealha, Pierre e Filipe tiveram com o recepcionista. Uns em francês, outros em inglês e português universal. Parece que a certa altura o marroquino já dizia mal da vida dele.



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Erfoud às 8h00 da manhã estava resplandecente, era um bom auspício para os quase 600km que tínhamos pela frente até Marraquesh.

Cá fora estavam todos nos últimos preparos, exceptuando 2 ou 3. Toca a despachar, Celina.

Todos os dias era sempre assim. Tínhamos que fazer as coisas rápido e os enganos eram uma certeza. Às vezes, após estarmos embalados no equipamento reparava que ainda trazia a chave ao pendurão no fio do pescoço. Toca a tirar as luvas e desapertar casacos. Outras vezes arrancávamos com o casco ou o casaco desapertado, e só em andamento é que dava conta.
Saímos do belo hotel e cortámos à direita. Voámos sobre os primeiros quiilómetros até chegar a uma povoação que parecia como muitas outras, à parte de uma praça com um mercado muito típico. Foi pena não termos parado. Fez-me lembrar o famoso mercado de Meknès com todas as mercadorias expostas no chão e bancadas, uma grande variedade de coisas, desde escapes de motos a caixas de sabão, passando pelo saudoso pão. Tudo serve para fazer alguns Dirham´s, é tipo feira da ladra, não fossem os marroquinos vendedores por natureza.




As planícies sucediam-se ponteadas por elevações que aparentam ser enormes ao longe. Prevalece o castanho do pó e da rocha no meio do qual serpenteia a estrada até onde a vista alcança. As Gargantas do Todra eram o nosso destino intercalar.

Após dezenas de quilómetros a rolar a 100/120 à hora, dá impressão que são já ali, entretanto surgem mais povoações, umas maiores, outras mais extensas, sempre marcadas pelas respectivas torres das mesquitas e megafones, que nem por isso as diferenciam.


Por fim, chega-se a uma cidade com muitas casas em argila com acabamentos rústicos. Na base de uma descida o Pierre hesita e logo aponta o caminho para a direita. Nós só temos tempo de ver no canto do olho uma placa a dizer Toudra, e lá seguimos na direcção de uns rochedos que àquela distância se anteviam monumentais.

Devo dizer que a partir desse ponto tudo começou a mudar. Nos primeiros kilometros a estrada era ladeada por edifícios toscos, era sinuosa, por vezes baixava ao nível do leito dos rios que a atravessavam, ou seja, nesses locais não havia pontes o que significa que sempre que chovesse os viajantes teriam que atravessar o leito com o caudal que lá houvesse. Ou então, não atravessavam. O alcatrão pregava partidas. Nalgumas faixas desaparecia, noutras não se sabia onde começava nem onde acabava.


Essa zona acabou por ser feita rapidamente, tal foi o gozo de rolar naquelas condições. A certa altura começamos a desviar-nos para a esquerda na base dos montes, era a subida a ter início. Paulatinamente começamos a observar a cidade de cima, os terraços apareciam como mosaicos na paisagem, e um enorme manto verde composto por palmeiras traçava o andamento dos cursos de água que por lá passavam debaixo dos nossos olhos. Qual daqueles seria o rio que vinha das gargantas? Quantos rios confluíam naquela cidade?



A resposta a essa dúvida ficava cada vez mais esquecida com a paisagem avassaladora que nos aparecia. A seguir descemos a outro leito, ao que se seguiu nova subida, tudo isto em curvas e contra-curvas. As mágicas recordações de Erfoud e do Saara estavam pulverizadas com aquela vista, e a sensação que algo de grandioso se aproximava era eminente. O caminho que entretanto deixava de ser estrada, ficou mais estreito, apesar disso circulavam pessoas e carros como se nada fosse, os locais aparentavam ignorar tudo e todos na sua vida quotidiana, nem os roncares das motos os chamava à atenção.

Com o rio a acompanhar-nos ao lado, o grupo lá continuava em Z sempre que podia, e a impaciência começava a tomar conta de mim. Os sentidos estavam todos despertos à espera do anunciado, era óbvio que seria já ali adiante, até que nos confinámos a 2 paredes altas onde só cabiam o rio e o caminho, e lá estávamos: as soberbas gargantas do Todra à nossa mão.

Eu nem sei como nos lembramos de colocar os descansos nas motos, o local absorvia toda a nossa atenção. Por mais que esticássemos o pescoço, as falésias pareciam não mais terminar. Quase se uniam no seu topo como quem dá as boas-vindas de braços abertos e os fecha aos visitantes.
Percebi então que les Gorges du Todra não cabiam numa fotografia. Sempre era verdade.




1 comentário:

Anónimo disse...

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