12/09/07

Pela Estrada Fora, Jack Kerouac

Entendo o que a Beat Generation de Jack Kerouac representa, contudo quero sublinhar o lado mais elementar da essência do livro Pela Estrada Fora [ed. relógia d´Água], que acaba por ser o que me marcou mais. Recorda-me tantas e tantas histórias vividas pelos mais variados personagens americanos símbolos de um "american way of life", onde cabem filmes como Thelma and Louise, ou ainda o personagem que James Dean imortalizou em Giant, que, ao fim ao cabo, convergem para a ideia de uma liberdade descomprometida e casual, característica da mistura que resultou entre os herdeiros da guerra civil, os latinos e outros que estariam para chegar ao sonho americano.
Com este espírito conota-se, naturalmente, a juventude frenética, sem temores, apaixonada pela vida, que saiu das amarras que desde sempre ligaram os progenitores ao velho passado costumeiro, judaico-cristão, enfim, a velha Europa.
Coube, portanto, a este livro o papel de celebrar essa nova cultura, com um extraordinário relato do improviso das viagens feitas pela América profunda, de costa a costa, do norte ao sul, sob este estilo de vida, sublimando a inesgotável energia que emanava da juventude como se estivesse solta num território sem limites, acercada de amigos, sempre os amigos. Amigos companheiros das borgas, das patifarias, das bebedeiras e outras drogas, que selavam amizades eternas que jamais podiam terminar. Era uma fatalidade.
A narração segue a mesma cadência dessa juventude irrequieta que desfruta de tudo que a vida oferece. Não me lembro de uma frase que expressasse tédio ou repetição. Chicago, Denver, Nova Iorque, Nova Orleães, Houston, San fancisco e Los Angeles, sucedem-se. A distância entre estas cidades dita a extensão que a narrativa alcança, repleta de episódios, pequenas histórias com vários personagens que animam e retratam o período pós-guerra e pós Charlie Parker, com Miles Davis a surgir no horizonte para marcar o ritmo.
É uma história que liberta, com certeza que é, nem que seja por uma ou duas horas com direito a prolongamento. É uma descrição em que se imagina Kerouac embrenhado nela, a percorre-la, dando ideia de uma autobiografia. É um escrito que, seguramente, também levou o autor a voar mais alto para próximo da alegria louca e da inteligência de Dean – o outro personagem central -, sem contudo se desfazer da sua intelectualidade de natureza universitária.
«…e sua “criminalidade” não era algo desprezível ou enfadonho, mas uma vibrante explosão de alegria americana, era o oeste, o vento do oeste, um cântico às planícies, algo novo, há muito profetizado, vindo de longe (ele só roubava carros para passeios festivos)…»

Saltar para a Estrada? Fica a questão. Com as A1, A25 e outras, com separadores, longe da concepção da route 66, e com a geração Beat um pouco em baixo, acho que a resposta fica dada...
Faz agora 50 anos após a sua primeira publicação.

3 comentários:

Eva Lima disse...

Ora aqui está um livro que "não mudou a minha vida". Li-o há uma dezena de anos e não me lembro de quase nada.

Victor Figueiredo disse...

Pois, na sequência da corrente que para aí anda na blogosfera :)
Para mim, há 10 não diria, mas há 15 anos ainda faria mossa.

Anónimo disse...

Tem razão a estimada Eva Lima: trata-se de um livro que também não mudou a minha vida.

No entanto, é justo integrá-lo no contexto dos anos 50 - foi uma inovação e deu origem a um estilo próprio - as viagens sem grande motivo, cujo expoente máximo foi "Easy Ryder" - 1969.

Representou a América dos pouco endinheirados que, sem raízes nem horizontes, preferiu ir apanhar ar e percorrer os imensos quilómetros das estradas bem alcatroadas.

Foi o início de uma nova forma de estar, que era o "não estar", ir simplesmente andando...revendo a verdadeira sociedade do interior, os motéis, os bares e as juke boxes à beira da estrada, ao contrário do american way of life que a televisão, nos seus começos, impingia insistentemente - as casinhas todas iguais, com os seus pequenos relvados, o carrinho de cor berrante, o frigorífico...

A lenda ficou agarrada a Koureac porque ele morreu novo e antes dos outros (Guinsborouth e Burghouts, é assim???).

O livro deu substrato aos Hells Angels e ao jornalismo esquisito, de que o último representante foi Hunter Thompson.

Eu cá gostei de o ler, aí por volta de 1972.

Digo eu...

Saloio