24/09/07

O Afinador de Pianos, Cristina Norton

Cristina Norton é uma escritora nascida na Argentina e naturalizada portuguesa, que agora publica na D. Quixote, um romance que liga três países de dois continentes distintos e relata a vida de um afinador de pianos – Benjamim.
Este personagem vivia em Madrid com a sua mulher, porém, por motivos profissionais, necessitou de cruzar a Espanha até à Galiza antes da guerra civil espanhola. Nessa região remota conhece Ângela, uma professora de música pela qual fica embeiçado.
A guerra rebenta e dura 3 longos anos que o separam da família em Madrid. Impelido por uma situação insustentável, deixa a Galiza com Ângela e segue para Portugal, que sob o jugo salazarista mantém-se neutro durante as guerras pós 1918, ano que pôs termo à 1.º grande guerra mundial.
O fio do romance segue na capital portuguesa, de onde parte depois na direcção do sul do continente americano.
Trata-se de um livro que fala da emigração transatlântica, entre 2 continentes, passado maioritariamente no território argentino que acolhe Benjamim e Ângela para uma incansável labuta, tornando Benjamim num profissional exímio e num hábil comerciante.
A história transpira a nossa saudade portuguesa de um país que a autora cedo abandonou e que aqui decidiu expressar. Contudo, esse sentimento para os naturais sul-americanos é próximo daquilo que designam como nostalgia. Termo talvez mais acertado, se levarmos em linha de conta a dedicatória desta edição da D. Quixote, em que Cristina Norton de Matos homenageia a sua irmã sua eterna interlocutora na país natal.
A estrutura narrativa assenta numa pesquisa história apurada, feita provavelmente no próprio local dos ambientes físicos de Madrid e da Galiza, focando e reconstituindo a época da guerra civil que motivou a diáspora dos galegos para a Argentina e mesmo para o Brasil.
Lisboa é também muito bem revisitada. Consegue-se recriar uma capital portuguesa difícil de imaginar, onde se recebiam refugiados de guerra (fez-me lembrar uma das últimas cenas do filme Casablanca), onde a escritora dá uma imagem cinzenta da cidade, do amontoado dos exilados amargurados, que guardam uma centelha de esperança de retornarem à sua vida ou de reconstruir uma nova, deste lado ou do outro do oceano.
Quando a história salta para o outro lado, para a Argentina, o cenário ainda é mais diferente do que fica para trás. O país é multi-racial, multi-facetado e está marcado pela guerra. Nesta manta social e política, reconhece-se uma metrópole que é a cidade europeia mais a sul do mundo. Sobressaem os Nazis, os franceses e outros europeus, como refere a autora: os emigrantes são em boa quantidade instruídos e cultos. A nação argentina só beneficiou com esse facto, inclusivé no campo da própria literatura o que justifica que na época houvesse uma elevada taxa de alfabetização no país. Novamente se percebe o motivo do carácter argentino, muito opinativo, informado e cultivado.
O país e a sociedade passam a ser também muito influenciados por Peron e por Evita, da mesma forma que a Espanha foi marcada por Franco, ou a Itália de Mussolini.
É um livro interessante, onde paralelamente se podem evidenciar por exemplo, no início do romance, o aspecto da cobardia conjugal, a mentira sedutora, onde subjaz uma culpa que serve de móbil à procura de uma nova vida com uma relação que sirva de apoio moral a Benjamim. Apoio esse que ficou para trás algures em Madrid, numa guerra civil que não se sabia quanto tempo iria durar.
Ângela, a professora de piano, pela forte afinidade que estabeleceu com o afinador, passa a acreditar na ideia de uma relação com futuro e de felicidade com aquele homem.

Como nota final, refira-se que a edição que possuo é de 1997, da Europa-América, colecção Talvez Ler.

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