24/09/06

Contos, Eça de Queirós

Relatos com uma escrita de luxo, é o que chamo a estes contos. O vulgo conhece Eça, sobretudo pelas suas novelas Os Maias e O Crime do Padre Amaro. Eventualmente até, a quem de boa memória, pela Tragédia da Rua das Flores que passou há uns bons anos na RTP.
Para além das suas principais características de notável retratista literário da sociedade portuguesa, sua contemporânea, e de romancista de novelas de fundo com extraordinários enredos, Eça comprovou também as suas capacidades de contista de histórias curtas. Na generalidade versam sobre temas como o amor – quase nunca correspondido -, as relações familiares, os meios urbanos onde decorrem, fotografias autênticas dos cenários que envolveram os escritos, ou a solidão que arremessa o indivíduo para a margem da sociedade.
Singularidades de uma rapariga loira, atinge um determinado extracto social pela ironia e pela paródia, representado a nova burguesia e o que à volta dela girava (e ainda gira) pelos seus hábitos e tiques sociais, onde o parecer sobrepõe-se sempre ao ser. Por outro lado, os contos O Tesouro e O Defunto, já decorrem num ambiente medieval onde Eça resgata o classicismo dessa altura.
No entanto, não me canso de adjectivar em elogio a escrita queirosiana, a narração rica em detalhes, a prosa trabalhada e fluida que seduz pela perfeição da sua construção. Em duas palavras: envolve e seduz. Em Civilização revisitei com muito agrado o personagem Jacinto de A Cidade e as Serras já aqui falado.
Como referi, os contos mais contemporâneos são para mim, de longe os mais interessantes. E mesmos escritos há cerca de um século primam pela sua modernidade e actualidade, acertando nos mesmos alvos que na altura em que foram escritos.
Sublinhe-se o relevo que é dado ao personagem tipo proveniente do novo-riquismo, bem instalado na vida, conformado e pouco renvindicativo, caracterizado pela ingenuidade de quem já nasceu burguês, à semelhança do que sucede em Alves & C.ia, onde Eça capta a cegueira e a passividade do jovem urbano burguês que cai nas graças do feminino, expondo o ridículo da inocência que ainda preserva.
Vale sempre a pena regressar a Eça quanto mais não seja por via destes contos que demonstram a genialidade das descrições das classes sociais, testemunhos únicos e bem trabalhados daquelas décadas que antecederam o século vinte, cuja essência dos enredos, mais previsíveis ou não, espantosamente pouco ou nada diferem dos dramas actuais.

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